Ele é bonito, jovem, empresário bem-sucedido, rico e feliz. Suas redes sociais têm sempre uma boa história para contar ou fotos maravilhosas em campos de golfe, viagens de helicópteros, palestras para outros CEOs que ouvem, atentos, a novidade que ele tem para contar. Dan Price, 31 anos, é fundador e presidente de uma empresa, a Gravity, criada para ajudar outros empresários independentes a gerirem mais facilmente os pagamentos com cartões de crédito.
Mês passado, o jovem galgou mais um degrau em sua promissora carreira ao reunir seus 120 funcionários e dizer-lhes que até 2017 todos terão seus salários aumentados. Price não quer ver ninguém de sua empresa, que fica em Seattle, nos Estados Unidos, ganhando menos do que US$ 70 mil por ano, o que representa cerca de R$ 210 mil, ou um salário mensal em torno de R$ 17 mil.
A notícia foi parar em jornais e sites, é claro. Onde é que já se viu, num mundo em crise econômica, um empresário que não se queixa de impostos ou de preços de fornecedores e, pelo contrário, se dispõe a dividir o bolo de seu lucro com quem trabalha para ele? E mais: o próprio Dan Price disse que está contente com sua vida e que não precisa de tanto dinheiro para viver, logo decidiu baixar de US$ 1 milhão para US$ 70 mil/ano seu salário.
A reportagem do “The New York Times” do dia 13 de abril que trouxe a história de Dan Price (leia aqui, em inglês) refletiu sobre a desigualdade de salários entre executivos e trabalhadores médios, que nos Estados Unidos chega a ser de 300 vezes a mais. Dan Price acha isso um absurdo, conforme declarou aos jornalistas.
A ideia do empresário pode ser uma grande sacada publicitária, já que ele precisa de clientes fiéis para seu negócio sobreviver. Pode ser também uma forma de conseguir que seus funcionários vistam a camisa da empresa sem querer trocá-la. Até porque, num mercado de trabalho pouco afável, imagino que um funcionário da Gravity que decida trocar de emprego não vá conseguir outro que o ajude a manter seu padrão de vida. Trabalhar numa empresa com um salário mínimo tão alto pode ser, portanto, uma doce, confortável e acolhedora... Prisão.
Quer tenha sido pensado para dar um choque e fazer crescer a carteira de clientes – como parece ter acontecido, segundo algumas reportagens – ou para agradar aos funcionários, Mr. Price embasou sua iniciativa com um forte apelo emocional. Segundo ele, um artigo que leu numa revista científica sobre bem-estar (leia aqui, em inglês) o incentivou a dar um salário maior aos seus funcionários, já que, em resumo, os cientistas descobriram que uma renda alta não compra felicidade, mas pode comprar satisfação, enquanto pessoas que têm baixa renda estão mais sensíveis a ter autoestima baixa e mal-estar emocional.
A pesquisa não revela nada novo, mas serve para pôr fermento numa antiga discussão: dinheiro traz felicidade? Bem, a julgar pela alegria dos funcionários da Gravity ao receberem a notícia do empresário – reação devidamente documentada em vídeo que circula pela internet – a resposta, pelo menos a curto prazo, é sim.
Como não está sozinho no mercado e sabe que andorinha sozinha não faz verão, é claro que Price quer parceiros em sua ousada iniciativa, até para que o mercado possa absorvê-lo melhor. Recentemente, postou em sua rede social, todo feliz, uma reportagem que saiu publicada na Revista “Time” online, dando conta de que o Facebook entrou no jogo. A rede social criada por Zuckerberg estaria exigindo de seus fornecedores que paguem US$ 15 (cerca de R$ 45) a hora às pessoas que lhes prestam serviços.
Segundo a reportagem, trata-se de um movimento que vem sendo seguido também por outras empresas grandes para tentar impulsionar o governo a aumentar o salário mínimo atual, que é de US$ 7,25 a hora.
A iniciativa de Price, se não resolve absolutamente os problemas socioeconômicos mundiais, nem mesmo nacionais, abre chance para algumas reflexões, meu prato predileto.
Quando eu comecei a editar o Razão Social* e a participar de fóruns de discussões sobre responsabilidade social corporativa, um empresário em especial chamava atenção na maioria dos encontros porque se vestia sempre de branco, dos pés à cabeça, e tinha um discurso, de certa forma, semelhante ao do jovem norte-americano. Michael Haradom, hoje presidente licenciado da Fersol, empresa de defensivos agrícolas, repetia incansavelmente que era preciso aumentar o salário das pessoas e que essa seria uma forma especial de qualquer corporação praticar, verdadeiramente, sua responsabilidade na sociedade. Na época, Haradom dizia pagar o salário mínimo necessário previsto pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Se o empresário seguisse à risca essa regra hoje, ele teria que pagar, no mínimo, R$ 3.251,61 a cada funcionário. É este, segundo o Dieese, o salário capaz de deixar um brasileiro minimamente confortável para pagar suas contas e ter uma sobrinha no fim do mês.
A iniciativa de Haradom não conseguiu sobreviver à crise financeira de 2008. Price contou ao “The New York Times” que vai usar dinheiro de seu próprio salário, além do lucro de US$ 2,2 milhões que a empresa lhe deu no ano que passou, para cumprir a sua promessa de elevar a renda de sua equipe.
Numa visão de economistas preocupados com uma nova possibilidade de desenvolvimento que promova menos desigualdade social, a atitude de Price pode ser vista com uma certa preocupação. Afinal, se por um lado ele melhorou a vida de 120 pessoas, por outro ele aumentou um pouco mais o fosso que existe entre outras tantas.
No site da empresa há menção a doações feitas a organizações assistenciais, mas como bem ensina Muhammad Yunus (veja aqui), o dinheiro de ações de caridade não tem volta. Nesse sentido, Price poderia se envolver mais com a possibilidade de promover um desenvolvimento maior na localidade onde está instalada sua empresa, além de dar aos funcionários um salário digno, é claro. É mais ou menos esse o caminho que se espera de empresários que querem ajudar a repensar a ordem mundial instalada.
Ambientalmente, Price não parece se envolver com as questões que estão inquietando muitos de seus pares. Como é jovem, sua geração é o alvo das preocupações de quem está hoje à frente da luta contra o aquecimento global. Assim, mesmo que a atividade de sua empresa não cause impactos ambientais diretos, ele poderia cuidar de alguns detalhes para melhorar sua pegada ecológica e fazer alarde para fazer seu exemplo ser imitado. Pode também parar de dar voltas de helicóptero para fazer vídeos recreativos e postar na rede social. Haja combustível!
Estamos mesmo numa era em que pensar o desenvolvimento de modo que seja inclusivo e sustentável exige muita matemática e compromisso com o entorno. Tomara que Dan Price encontre em seu caminho bons conselheiros.
*Suplemento editado no jornal “O Globo” de 2003 a 2012 cujo tema era sustentabilidade e responsabilidade social corporativa
RETIRADO DE: http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/empresario-que-dobrou-salario-dos-funcionarios-e-um-exemplo-seguir.html
Ele é bonito, jovem, empresário bem-sucedido, rico e feliz. Suas redes sociais têm sempre uma boa história para contar ou fotos maravilhosas em campos de golfe, viagens de helicópteros, palestras para outros CEOs que ouvem, atentos, a novidade que ele tem para contar. Dan Price, 31 anos, é fundador e presidente de uma empresa, a Gravity, criada para ajudar outros empresários independentes a gerirem mais facilmente os pagamentos com cartões de crédito.
Mês passado, o jovem galgou mais um degrau em sua promissora carreira ao reunir seus 120 funcionários e dizer-lhes que até 2017 todos terão seus salários aumentados. Price não quer ver ninguém de sua empresa, que fica em Seattle, nos Estados Unidos, ganhando menos do que US$ 70 mil por ano, o que representa cerca de R$ 210 mil, ou um salário mensal em torno de R$ 17 mil.
A notícia foi parar em jornais e sites, é claro. Onde é que já se viu, num mundo em crise econômica, um empresário que não se queixa de impostos ou de preços de fornecedores e, pelo contrário, se dispõe a dividir o bolo de seu lucro com quem trabalha para ele? E mais: o próprio Dan Price disse que está contente com sua vida e que não precisa de tanto dinheiro para viver, logo decidiu baixar de US$ 1 milhão para US$ 70 mil/ano seu salário.
A reportagem do “The New York Times” do dia 13 de abril que trouxe a história de Dan Price (leia aqui, em inglês) refletiu sobre a desigualdade de salários entre executivos e trabalhadores médios, que nos Estados Unidos chega a ser de 300 vezes a mais. Dan Price acha isso um absurdo, conforme declarou aos jornalistas.
A ideia do empresário pode ser uma grande sacada publicitária, já que ele precisa de clientes fiéis para seu negócio sobreviver. Pode ser também uma forma de conseguir que seus funcionários vistam a camisa da empresa sem querer trocá-la. Até porque, num mercado de trabalho pouco afável, imagino que um funcionário da Gravity que decida trocar de emprego não vá conseguir outro que o ajude a manter seu padrão de vida. Trabalhar numa empresa com um salário mínimo tão alto pode ser, portanto, uma doce, confortável e acolhedora... Prisão.
Quer tenha sido pensado para dar um choque e fazer crescer a carteira de clientes – como parece ter acontecido, segundo algumas reportagens – ou para agradar aos funcionários, Mr. Price embasou sua iniciativa com um forte apelo emocional. Segundo ele, um artigo que leu numa revista científica sobre bem-estar (leia aqui, em inglês) o incentivou a dar um salário maior aos seus funcionários, já que, em resumo, os cientistas descobriram que uma renda alta não compra felicidade, mas pode comprar satisfação, enquanto pessoas que têm baixa renda estão mais sensíveis a ter autoestima baixa e mal-estar emocional.
A pesquisa não revela nada novo, mas serve para pôr fermento numa antiga discussão: dinheiro traz felicidade? Bem, a julgar pela alegria dos funcionários da Gravity ao receberem a notícia do empresário – reação devidamente documentada em vídeo que circula pela internet – a resposta, pelo menos a curto prazo, é sim.
Como não está sozinho no mercado e sabe que andorinha sozinha não faz verão, é claro que Price quer parceiros em sua ousada iniciativa, até para que o mercado possa absorvê-lo melhor. Recentemente, postou em sua rede social, todo feliz, uma reportagem que saiu publicada na Revista “Time” online, dando conta de que o Facebook entrou no jogo. A rede social criada por Zuckerberg estaria exigindo de seus fornecedores que paguem US$ 15 (cerca de R$ 45) a hora às pessoas que lhes prestam serviços.
Segundo a reportagem, trata-se de um movimento que vem sendo seguido também por outras empresas grandes para tentar impulsionar o governo a aumentar o salário mínimo atual, que é de US$ 7,25 a hora.
A iniciativa de Price, se não resolve absolutamente os problemas socioeconômicos mundiais, nem mesmo nacionais, abre chance para algumas reflexões, meu prato predileto.
Quando eu comecei a editar o Razão Social* e a participar de fóruns de discussões sobre responsabilidade social corporativa, um empresário em especial chamava atenção na maioria dos encontros porque se vestia sempre de branco, dos pés à cabeça, e tinha um discurso, de certa forma, semelhante ao do jovem norte-americano. Michael Haradom, hoje presidente licenciado da Fersol, empresa de defensivos agrícolas, repetia incansavelmente que era preciso aumentar o salário das pessoas e que essa seria uma forma especial de qualquer corporação praticar, verdadeiramente, sua responsabilidade na sociedade. Na época, Haradom dizia pagar o salário mínimo necessário previsto pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Se o empresário seguisse à risca essa regra hoje, ele teria que pagar, no mínimo, R$ 3.251,61 a cada funcionário. É este, segundo o Dieese, o salário capaz de deixar um brasileiro minimamente confortável para pagar suas contas e ter uma sobrinha no fim do mês.
A iniciativa de Haradom não conseguiu sobreviver à crise financeira de 2008. Price contou ao “The New York Times” que vai usar dinheiro de seu próprio salário, além do lucro de US$ 2,2 milhões que a empresa lhe deu no ano que passou, para cumprir a sua promessa de elevar a renda de sua equipe.
Numa visão de economistas preocupados com uma nova possibilidade de desenvolvimento que promova menos desigualdade social, a atitude de Price pode ser vista com uma certa preocupação. Afinal, se por um lado ele melhorou a vida de 120 pessoas, por outro ele aumentou um pouco mais o fosso que existe entre outras tantas.
No site da empresa há menção a doações feitas a organizações assistenciais, mas como bem ensina Muhammad Yunus (veja aqui), o dinheiro de ações de caridade não tem volta. Nesse sentido, Price poderia se envolver mais com a possibilidade de promover um desenvolvimento maior na localidade onde está instalada sua empresa, além de dar aos funcionários um salário digno, é claro. É mais ou menos esse o caminho que se espera de empresários que querem ajudar a repensar a ordem mundial instalada.
Ambientalmente, Price não parece se envolver com as questões que estão inquietando muitos de seus pares. Como é jovem, sua geração é o alvo das preocupações de quem está hoje à frente da luta contra o aquecimento global. Assim, mesmo que a atividade de sua empresa não cause impactos ambientais diretos, ele poderia cuidar de alguns detalhes para melhorar sua pegada ecológica e fazer alarde para fazer seu exemplo ser imitado. Pode também parar de dar voltas de helicóptero para fazer vídeos recreativos e postar na rede social. Haja combustível!
Estamos mesmo numa era em que pensar o desenvolvimento de modo que seja inclusivo e sustentável exige muita matemática e compromisso com o entorno. Tomara que Dan Price encontre em seu caminho bons conselheiros.
*Suplemento editado no jornal “O Globo” de 2003 a 2012 cujo tema era sustentabilidade e responsabilidade social corporativa
RETIRADO DE: http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/empresario-que-dobrou-salario-dos-funcionarios-e-um-exemplo-seguir.html
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